O que são fitoterápicos e qual sua relação com a medicina canábica?
- Ana Karoline Maia

- 16 de out.
- 4 min de leitura

O fitoterápico, a medicina que brota da terra, não é apenas um resgate da sabedoria ancestral, mas uma área de vanguarda na ciência farmacêutica. No centro deste debate está a Cannabis sativa L., uma planta de potência inegável cuja regulação se tornou um imperativo de saúde pública e um divisor de águas na agenda agroecológica nacional.
Segundo a definição oficial do Ministério da Saúde, um fitoterápico é um produto obtido exclusivamente a partir de matérias-primas vegetais, sem a inclusão de substâncias ativas isoladas. Em essência, é um medicamento onde a eficácia e a segurança são atestadas pelo conhecimento tradicional e, mais recentemente, por estudos científicos.
O Brasil, detentor da maior biodiversidade do planeta, tem uma vasta tradição no uso de plantas medicinais, incorporando esse saber desde o curandeirismo popular até o Sistema Único de Saúde (SUS), que reconhece as Práticas Integrativas e Complementares (PICs).
No entanto, a sua simplicidade esconde uma complexidade. Assim como qualquer medicamento, o uso de fitoterápicos exige rigor. É fundamental que a planta seja identificada corretamente, que o modo de preparo seja preciso e que a posologia seja respeitada. O risco reside justamente na confusão entre o uso caseiro e o medicamento regulamentado. A Secretaria de Saúde do Ceará alerta que a automedicação e o descarte inadequado de resíduos vegetais são preocupações reais, mostrando que a responsabilidade é um pilar da fitoterapia.
O fitoterápico não busca apenas um princípio ativo isolado, mas sim o efeito sinérgico de diversos compostos vegetais, uma ideia que encontra seu ápice na Cannabis sativa L.
O cultivo da cannabis como prática agroecológica
Se a fitoterapia é o futuro da medicina natural, o Brasil possui um potencial agrícola, ainda inexplorado, na cannabis. Para Ana Karoline Maia, Engenheira Agrônoma e Diretora de Cultivo do Instituto Ahô, a cannabis, popularmente conhecida como maconha, é uma “planta de alto valor terapêutico e agronômico”.
A planta, que tem se revelado com uma fonte riquíssima de canabinoides (CBD, THC) e terpenos com aplicações em diversas patologias, exige um olhar agroecológico. O conceito de cultivo agroecológico valoriza a sustentabilidade, o respeito ao solo e a minimização de insumos sintéticos.
Para além disso, a regulamentação do cultivo abre uma via para o desenvolvimento científico e técnico. A Sociedade Brasileira de Estudos de Cannabis (SBEC) e outras associações defendem que a pesquisa só avança com o acesso seguro e legalizado à planta em território nacional. Sem cultivo local, a ciência e a agricultura brasileiras ficam à margem de uma revolução fitoterápica global.
Inspirado nos princípios que orientaram as Farmácias Vivas, idealizadas pelo professor Francisco José de Abreu Matos no Ceará, o cultivo agroecológico de plantas medicinais reafirma a integração entre ciência, saber popular e território. Assim como as Farmácias Vivas valorizam o cultivo local, a padronização fitoterápica e o uso racional das espécies nativas, a agroecologia propõe um sistema de produção que une cuidado ambiental e saúde pública.
O potencial brasileiro para o cultivo da cannabis medicinal e industrial é vasto, dada a diversidade de climas e a experiência agrícola do país. Pesquisas, como as publicadas em documentos sobre a capacidade produtiva nacional, apontam que o solo e o clima brasileiros seriam ideais para produzir uma matéria-prima de alta qualidade e com custos potencialmente mais baixos do que os produtos importados.
Além disso, a regulamentação do cultivo abre uma via para o desenvolvimento científico e técnico. A Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC) e outras associações defendem que a pesquisa só avança com o acesso seguro e legalizado à planta em território nacional. Sem cultivo local, a ciência e a agricultura brasileiras ficam à margem de uma revolução fitoterápica global.
O porquê da urgência na regulamentação
Por que, então, o cultivo da cannabis medicinal segue proibido no Brasil?
A principal barreira é, notoriamente, a política e o estigma, e não a técnica. Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tenha aprovado a venda de medicamentos à base de Cannabis (RDC 327/2019), o cultivo para fins medicinais e de cânhamo industrial ainda aguarda regulamentação definitiva.
A ANVISA já informou sobre o processo de regularização, mas a falta de uma Resolução específica impede que pacientes, associações e empresas brasileiras produzam a matéria-prima de forma legalizada e controlada.
O custo da demora é altíssimo:
Acesso à saúde: O Brasil se torna refém da importação, penalizando financeiramente o paciente. Como aponta a discussão sobre o papel da importação nos planos de regulação, manter a importação como única via de acesso onera o sistema e limita a soberania nacional em saúde.
Qualidade e rastreabilidade: O cultivo nacional, sob rigoroso padrão agroecológico e controle da ANVISA, garantiria produtos mais frescos, com maior controle de qualidade e rastreabilidade total, desde a semente até o óleo final.
Desenvolvimento econômico: O setor agroindustrial e farmacêutico perde bilhões de reais e milhares de empregos que poderiam ser gerados pelo cultivo e pela produção nacional.
A regulamentação urgente do cultivo da cannabis não é apenas uma bandeira ativista; é uma medida econômica, sanitária e de soberania fitoterápica. Trata-se de reconhecer a Cannabis sativa L. como a poderosa planta medicinal que ela é, devolvendo-a ao solo brasileiro, sob a ciência do engenheiro agrônomo, para servir à saúde do povo.
A verdadeira revolução na fitoterapia exige que paremos de importar remédio e comecemos a cultivar a cura em casa.
Engenheira Agrônoma pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestre em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal do Cariri (UFCA). É especialista em Fitoterapia. Sua atuação abrange a organização da produção agroecológica e pesquisas em diversas áreas, como fitotecnia e plantas medicinais. No Instituto Ahô, ela lidera o cultivo com foco em garantir a qualidade e a consistência da produção.
Referências:
Editor textual: Acácio Morais




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